Moby Dick vs Leviatã - Bitcoin vs Estado, uma releitura minha
Introdução
Publicado em 1851 e escrito por Herman Melville, "Moby Dick" é um clássico da literatura norte-americana. Trata-se de um épico marítimo que segue a obsessão do Capitão Ahab em capturar a enorme baleia branca, Moby Dick. A história é rica em simbolismo e temas que exploram a natureza da obsessão, a luta contra forças fora do controle humano, as profundezas da alma humana, a tirania, a democracia, a liberdade, a falta dela num mundo capitalista do século XIX, a loucura do homem, a implacável força da Natureza e o temor divino a Deus, que é o Criador, mas também o destruidor. Vou dar aqui, nessa resenha, algumas interpretações minhas: seja religiosa ou areligiosa, econômica e social além de, claro, tirar algumas lições importantes.
De fato, essa história deixou sua marca na sociedade como um todo e se tornou parte da cultura popular, não somente dos americanos, mas do mundo inteiro. Quem aí não conhece "Moby Dick, a Grande Baleia" ou "Moby Dick, a Baleia Branca"? Eu vi muitos vídeos de resenhas e discussões sobre o livro e percebi o quão baixo é o nível de interpretação do brasileiro. E não estou falando somente do povão: muitos professores, pesquisadores, escritores, leitores hobbistas e acadêmicos de literatura e letras no Brasil não conseguiram captar a maior parte das referências e nuances do livro. Muitos se preocuparam muito mais com a pauta racial, pois em diversos momentos do livro o narrador menospreza seus companheiros pelo fato de serem de etnias "inferiores". Outros se ocupam em falar de pautas ambientais, como a caça de animais que hoje são extintos. Cara, me poupe! Não seja anacrônico: esse livro foi escrito por um homem branco do século XIX, o que você está esperando?
Outros, mesmo sabendo que o livro é quase que completamente escrito com base em referências bíblicas, dizem não ser necessário conhecer as nuances bíblicas, ou seja, não é necessário ler a Bíblia para entender a mensagem do livro. Eu discordo. Por isso existem tantos professores ruins nesse país: não se aprofundam nas bases, assim não há como pensar como o autor pensava ou pelo menos projetar em si o que ele supostamente queria transmitir. Melville era extremamente religioso, logo, para nos conectarmos com ele através do livro, precisamos emular isso em nossas mentes. Como alguém religioso leria essa obra. Mas lembre-se de que também podemos deixar de lado a fé e fazer uma análise mais pragmática do livro claro, menos profunda porém, em alguns casos, menos profundo não quer dizer pior. Às vezes, pensar além do que o autor quer transmitir nos traz uma visão interessante do que representa esse texto para a nossa vida em sociedade, bem como suas relações com o mundo real e, claro, o Leviatã e o bitcoin, como visto no título.
HERMAN MELVILLE
Um homem apegado aos detalhes, com uma educação sólida e extremamente religioso, Herman Melville, renomado autor de "Moby Dick", nasceu em 1º de agosto de 1819, numa família abastada, sendo o terceiro filho de Allan e Maria Gansevoort Melvill. Sua infância foi marcada por um episódio de escarlatina, que afetou permanentemente sua visão. Em 1830, a família mudou-se para Albany, onde Melville frequentou a Albany Academy. Após a morte de seu pai em 1832, Melville precisou ajudar a sustentar a família trabalhando como bancário, professor e agricultor. Anos depois, devido à grande crise econômica de 1837, sua família perdeu todo o patrimônio.(vou falar sobre essa crise em outros posts)
Em 1839, Melville, enfrentando dificuldades financeiras, viu uma oportunidade no mar como baleieiro. Embarcou como ajudante no navio mercante St. Lawrence, com destino a Liverpool, e em 1841, no baleeiro Acushnet, percorrendo quase todo o Pacífico. Quando o navio chegou às ilhas Marquesas, na Polinésia Francesa, Melville decidiu abandoná-lo para viver entre os nativos por algumas semanas. Suas aventuras como "visitante-cativo" da tribo de canibais Typee foram registradas no livro "Typee", de 1846.
Ainda em 1841, Melville embarcou no baleeiro australiano e se uniu a um motim organizado pelos tripulantes insatisfeitos pela falta de pagamento, o que resultou em sua prisão no Taiti, da qual fugiu pouco depois. Esses eventos foram descritos em seu segundo livro, "Omoo", de 1847. No final de 1841, ele embarcou como arpoador no Charles & Henry e retornou a Boston como marinheiro em 1844, a bordo da fragata United States. Seus dois primeiros livros renderam-lhe sucesso de crítica e público, além de um certo conforto financeiro.
Em 1847, Melville casou-se com Elizabeth Shaw e, em 1849, lançou seu terceiro livro, "Mardi". Melville então retomou sua antiga fórmula literária, lançando duas novas aventuras: "Redburn" (1849) e "White-Jacket" (1850). Esses livros já apresentavam um tom visivelmente mais melancólico, que adotaria a seguir, pois como sabemos, ele absorve muito das peças trágicas de William Shakespeare, como Rei Lear (Shakespeare) e Macbeth (Shakespeare) .
Em 1850, Melville e Elizabeth mudaram-se para Arrowhead, uma fazenda em Pittsfield, Massachusetts (atualmente um museu), onde Melville conheceu Nathaniel Hawthorne, a quem dedicou "Moby Dick", publicado em Londres em 1851. O fracasso de vendas de "Moby Dick" fez com que seu editor recusasse contratos de edições futuras de outros livros de Melville, hoje perdidos.
Herman Melville faleceu em 28 de setembro de 1891, aos 72 anos, em Nova York. Melville, uma figura literária de grande complexidade, deixou um legado que só foi plenamente reconhecido após sua morte e hoje é considerado um dos grandes escritores da literatura americana.
Personagens Principais
- Call me Ishmael: Call me Ishmael é simplesmente a primeira frase do livro, onde o narrador da história nos leva a questionar se esse é seu verdadeiro nome ou apenas um pseudônimo inserido pelo autor para gerar essa dúvida propositalmente. Mas vamos fazer o que ele nos pede, neste vídeo, e chamá-lo-ei Ishmael. Esse nome, que significa "Deus ouviu" em hebraico, já indica seu papel de observador e contador de histórias. Ishmael é um jovem marinheiro e o narrador da história em "Moby Dick". Cansado de sua vida em terra firme e sentindo uma profunda inquietação, ele decide se aventurar no mar, buscando uma nova experiência e uma fuga de sua monotonia.
Na Bíblia, Ismael é o filho mais velho de Abraão, um bastardo que, pela impaciência de Abraão e sua mulher Sara em esperar a promessa de Deus de dar-lhes um filho, nasceu de uma união de Abraão com Agar, uma das escravas de Sara. Depois que Sara finalmente ficou grávida de Abraão, cumprindo a promessa divina, Agar e Ismael foram expulsos de casa. Ismael teve de viver uma vida de marginal sem honra alguma, alimentando rancor que culminou numa guerra sem fim contra seu irmão Isaque.
Essa escolha do nome pelo autor Herman Melville não é acidental e traz consigo uma carga simbólica significativa. Assim como o Ismael bíblico, o Ishmael de "Moby Dick" é um outsider, alguém que se sente à margem da sociedade e busca seu lugar no mundo. Ele é um observador perspicaz, que testemunha os eventos ao seu redor com um olhar crítico e reflexivo, mas não é o protagonista ativo da caçada à Moby Dick. Ele, de certa forma, representa o ser humano comum, perdido em um vasto e incompreensível universo, buscando sentido e propósito em meio ao caos.
Ishmael é também um símbolo de sobrevivência e continuidade. Após a destruição do Pequod e a morte de quase toda a tripulação, é Ishmael quem sobrevive, flutuando no mar até ser resgatado por outro navio. Sua sobrevivência permite que a história seja contada, garantindo que as lições e os horrores da busca obsessiva de Ahab não sejam esquecidos. Através de Ishmael, Melville nos oferece uma reflexão profunda sobre a condição humana, a fragilidade da vida e a eterna busca por entendimento e redenção.
- Capitão Ahab: O Capitão Ahab é uma figura imponente e enigmática, que domina o convés do navio baleeiro Pequod com uma presença implacável e uma aura de autoridade inquestionável. Batizado por sua mãe viúva e insana, que faleceu quando ele ainda era um bebê, o nome Ahab traz consigo um peso histórico e simbólico. Derivado do hebraico, significando "irmão do pai" ou "semelhante ao pai" e "semelhante a Deus", o nome remete ao Rei Acabe da Bíblia, um monarca notório por sua idolatria, que levou não apenas ele, mas todo o seu povo à ruína.
Como o rei bíblico, o Capitão Ahab é consumido por uma busca insaciável que o leva à beira da loucura. O Rei Acabe foi descrito como um líder poderoso, mas profundamente falho, que se afastou dos caminhos divinos em sua obsessão por controle e poder. Similarmente, Ahab, após perder sua perna em um encontro anterior com a baleia branca Moby Dick, se entrega a uma busca obsessiva por vingança que consome sua mente e sua alma. O capitão do Pequod é areligioso, não aceitando a existência de algo maior e mais poderoso que ele mesmo. Porém, mesmo sendo ateu, sua insaciável busca por uma revanche decisiva contra Moby Dick acaba transformando o sentimento de vingança em seu deus, um ídolo que ele usa como munição para arrastar seus homens rumo à destruição. Sua luta contra a baleia revela algo de satânico na figura de Ahab, que desafia o poder de Deus ao enfrentar a força da natureza.
Melville, como mencionado anteriormente, tinha muitas influências das obras de Shakespeare, como a peça Rei Lear (Shakespeare), onde Ahab representaria a forma de loucura do rei bretão, ou em Macbeth (Shakespeare) , onde o capitão do Pequod se assemelha ao poderoso General Macbeth do exército do rei Duncan e, posteriormente, rei da Escócia. Ambas as peças exploram, entre outras coisas, a ideia de justiça divina e a falta de justiça terrena, com personagens bons sofrendo imerecidamente por erros de seu governantes, Não vou falar muito sobre essas peças hoje porque isso é tema pra outro dia e não quero deixar essa resenha muito longa.
A primeira vez que Ahab aparece no livro é apenas no capítulo 28, e sua aparição é interessante, todos ficam perplexos com sua presenca, uma mistura de medo e respeito, mesmo estando doente aparenta estar em um ótimo estado físico, sua voz é firme transmitindo confiança e sua postura é descrita como se ele fosse feito de um metal fundido em um molde indestrutível, apesar de lhe faltar uma perna e ter várias sicatrizes em seu corpo. O capitão também ostenta um sinal distintivo que desce por um lado de seu rosto e pescoço, uma cicatriz de cima pra baixo, "Ela se assemelhava àquela fissura perpendicular que às vezes é feita no tronco reto e elevado de uma grande árvore, quando o relâmpago de cima desce rasgando, e sem arrancar um único galho, descasca e sulca a casca de cima a baixo, antes de se dissipar no solo, deixando a árvore ainda vivamente verde, mas marcada." - Moby Dick, cap.28,p.3. Em alguns casos os seus subordinados se referem a ele como, "O ditador", "O ímpio", "O Divino" ou "O Velho Trovão". A intensidade de sua personalidade é resultante dos profundos traumas que carrega. Ele é um homem marcado, tanto fisicamente quanto espiritualmente, pela crueldade de seu destino. Sua perna protética, elaborada a partir de ossos de baleia, é um constante lembrete de sua inimizade com Moby Dick e de sua determinação em confrontar a criatura novamente.
O Capitão Ahab, como seu homônimo bíblico, possui uma visão singular e monomaníaca que o isola dos outros homens. Ele renuncia aos confortos e prazeres mundanos, jogando seu cachimbo ao mar e entregando suas navalhas ao ferreiro do navio, simbolizando sua devoção total à sua missão de vingança. Sua busca não é apenas uma questão de justiça pessoal, mas uma luta contra as forças que ele percebe como desafiadoras de sua própria existência.
Assim, o Capitão Ahab se ergue como uma figura trágica e grandiosa, ele é o ditador, um homem que por fora é uma fortaleza, mas por dentro é fraco como um guri. Ele representa o tirano perfeccionista que quer fazer tudo a seu modo, que se irrita com qualquer coisa que saia de seu controle e, se preciso for, usa seu inexorável carisma para angariar apoio de outras pessoas em seus empreendimentos suicidas, prejudicando não apenas sua vida, mas também a de toda a tripulação. E esse é um dos tipos de pessoas mais perigosas. Tente contrariá-la e você se tornará seu inimigo.
Moby Dick
- A brancura da Baleia: A baleia é, sem dúvidas, a personagem mais intrigante deste livro. Quem diria que o autor conseguiria tornar um animal quase tão complexo quanto as personagens humanas? A genialidade do autor ao criar Moby Dick está em sua habilidade de imbuir a baleia com múltiplas camadas de significado. Ela é, ao mesmo tempo, um ser fisiológico e uma metáfora poderosa, representando a força divina entrando em conflito com os planos dos homens.
Uma de suas características principais é a sua brancura, de modo que o autor reserva um capítulo inteiro dedicado a essa singularidade. No capítulo intitulado "A Brancura da Baleia", Melville explora os paradoxos e as conotações associadas à cor branca. Tradicionalmente vista como um símbolo de pureza, inocência e benevolência, a brancura de Moby Dick assume um significado mais ambíguo.
Melville argumenta que, embora o branco possa simbolizar a beleza e a bondade, ele também pode evocar o terror e a desolação. A vastidão branca de um deserto gelado, por exemplo, pode ser vista como um lugar de isolamento e morte. Da mesma forma, a brancura de Moby Dick torna-se um símbolo de um poder impessoal e incompreensível, algo que está além da compreensão humana e que pode ser tanto fascinante quanto aterrorizante.
A brancura da baleia também reflete a pureza intangível de Deus e encarna a beleza brutal e indiferente da natureza, contra a qual Ahab se rebela de maneira tão obsessiva e autodestrutiva. A cor branca, portanto, não é apenas um atributo físico, mas uma qualidade que encapsula o mistério e o poder insondável da baleia.
O autor também discute a natureza paradoxal da beleza através da figura do urso polar. À primeira vista, o urso polar, com sua pelagem branca e aparência majestosa, pode parecer um símbolo de pureza e serenidade. No entanto, essa beleza esconde a verdadeira natureza do animal – um predador formidável e perigoso.
A aparência pacífica e bela do urso polar é uma metáfora para o perigo contra-intuitivo que pode estar presente em coisas que inicialmente parecem inofensivas ou benignas. Esse contraste entre a beleza superficial e a ameaça subjacente reforça a ideia de que a brancura, assim como outras formas de beleza, pode ser enganadora. Melville utiliza essa metáfora para sugerir que as aparências podem ser ilusórias e que a verdadeira natureza de algo ou alguém pode ser muito mais complexa e potencialmente perigosa do que parece.
Essa ideia se reflete na própria Moby Dick. A beleza imponente e a majestade da baleia branca mascaram sua natureza violenta e destrutiva. A obsessão de Ahab com Moby Dick é alimentada por essa dualidade – a baleia é ao mesmo tempo uma visão magnífica e uma ameaça mortal. A brancura da baleia, como a pelagem do urso polar, serve como um lembrete constante de que a verdadeira essência de algo pode estar oculta sob uma aparência enganosa.
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Enorme Tamanho e Força: Moby Dick é descrita como uma baleia de tamanho colossal, possuindo uma força imensa e devastadora.
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Inteligência e Malícia Aparente: A baleia é frequentemente retratada como tendo uma inteligência quase humana e uma malícia consciente, especialmente na mente de Ahab. Ela é vista como um adversário astuto, capaz de frustrar as tentativas dos caçadores de baleias de capturá-la. Este atributo reforça a ideia de que Moby Dick é mais do que um simples animal.
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Inaccessibilidade e Elusividade: Moby Dick é notoriamente difícil de capturar, escapando repetidamente dos esforços dos caçadores de baleias.
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Cicatrizes e Marcas de Batalha: A baleia é descrita com cicatrizes e marcas de batalha de encontros anteriores com baleeiros. Essas cicatrizes são uma prova de sua capacidade de sobrevivência e de sua resistência feroz.
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Imortalidade e Eternidade: Na mente de Ahab, Moby Dick assume um aspecto quase imortal e eterno. A baleia parece ser uma força primordial e indestrutível, um aspecto da natureza que transcende o tempo e desafia a mortalidade humana.
Certamente, o autor estava se referindo ao Deus cristão quando escreveu sobre Moby Dick, um Deus benevolente vestido em vestes brancas e puras, mas que pune ferozmente aqueles que se voltam contra ele. Assim como Lúcifer caiu pela força, assim como o grande rei Nimrod foi derrotado pela confusão, assim como Jericó sucumbiu ao cerco, Sodoma e Gomorra ao fogo, o Egito às pragas, o Rei Acabe à idolatria, Saul ao orgulho, Salomão à vaidade, Jerusalém aos Medos, Persas e aos Romanos; assim morreu Ahab pela Baleia.
Leviatã
Na Bíblia, o Leviatã é frequentemente descrito como uma criatura marítima monstruosa e poderosa. No livro de Jó, é citado como um ser de força inigualável, que nenhum homem pode domar. De acordo com a descrição em Jó, o Leviatã é um monstro muito grande que mora no mar. Ele é muito forte e não pode ser domado nem caçado com lanças e arpões. Seu couro é duro como armadura e seus golpes são muito perigosos. Tem dentes grandes, fogo sai de sua boca e fumaça do seu nariz. Por onde passa deixa um rastro cintilante e agita muito a água.
O Leviatã é uma criatura formada por Deus, que representa força indomável e perigosa. Em algumas partes da Bíblia é usado para simbolizar as forças do mal e do caos, que lutam contra Deus (Isaías 27:1). O Leviatã, como o dragão, também representa o diabo. A palavra leviatã vem do hebraico, liwjathan, que significa, enrolar, dar a volta, animal que enrola, como um tatu-bola; o Leviatã bíblico é alguma criatura marinha, criada pelo Senhor que, mesmo sendo impressionante e assustador, ainda depende de Deus para viver, como toda a criação (Salmos 104:25-27); no contexto desta análise, o Leviatã seré uma metáfora para o Estado.
Thomas Hobbes, em sua obra "Leviatã", argumenta que a vida em estado de natureza seria "solitária, pobre, desagradável, brutal e curta" sem um poder centralizador para manter a ordem. Para Hobbes, a única solução para evitar o caos é a criação de um Estado poderoso e absoluto que detém a autoridade máxima sobre todos os aspectos da vida dos cidadãos. Este Estado, o Leviatã, é necessário para proteger os indivíduos de sua própria natureza caótica e violenta.
O Estado, segundo Hobbes, surge da necessidade humana de se proteger do caos e da violência do estado de natureza, onde "O homem é lobo do homem". O Leviatã hobbesiano é um monstro artificial, criado pelo pacto social, que concentra em si todo o poder necessário para garantir a paz e a segurança dos cidadãos.
Pequot: o pacto social
A ideia do contrato social, desenvolvida por filósofos como Thomas Hobbes, Jean-Jacques Rousseau e John Locke, sustenta que os indivíduos concordam em abdicar de certas liberdades em troca de proteção e benefícios proporcionados pelo Estado. No Pequod, os marinheiros firmam um contrato implícito ao se juntar à tripulação: aceitam a autoridade de Ahab e as duras condições de vida a bordo em troca da esperança de riquezas provenientes da caça às baleias. Eles entram no barco, rumando ao oceano, onde a saída é praticamente inexistente, confiando apenas nas promessas de sucesso e prosperidade que a pesca os poderia os proporcionar.
Dentro do Pequod, a vida é bem dura, mas para muitas pessoas, especialmente as mais pobres, ou as pessoas não-brancas, a oportunidade de trabalho no mar representa uma chance única de sobrevivência e progresso(lembrando que estamos falando do século XIX onde a discriminação era surreal, principalmente nos países anglos). Queequeg, um canibal polinésio e tripulante do Pequot, é um exemplo de como a pesca na época ofereceu uma chance de integração e ganho financeiro que dificilmente encontraria em terra firme devido à discriminação e à falta de oportunidades. No mar, ele é avaliado por suas contribuições à missão que lhes fora dada. Todos os tripulantes do Pequot são fodidos, o que os torna fácil manipuláveis e pela ideia de se tornarem grandes heróis no mar e faturar uma boa grana, todos se alinham aos interesses do capitão que se aproveita da lealdade de seus subalternos e afunda o Pequot por causa de seu orgulho.
O Estado, de forma semelhante, utiliza a promessa de auxílios, previdencia, segurança, proteção, carne barata, cervejinha, etc... para justificar a exploração de sua população. Justificando aumento de taxas de importação com "proteção à indústria nacional", ou pegando parte do teu salário dizendo que "se você contribuir irá se aposentar daqui a xx anos"; e as pessoas mais vulneráveis a esse tipo de promessa fajuta são justamente os mais pobres e as minorias, que se vendem ao estado por uns trocados, assim perpetuando esse câncer no poder ad infinitum.
- O Estado como protetor e opressor
A dualidade do Leviatã é evidente: por um lado, ele representa a força necessária para proteger os indivíduos contra as ameaças externas e internas. Por outro lado, o poder absoluto do Leviatã pode se transformar em um instrumento de opressão, sufocando as liberdades individuais e impondo uma ordem autoritária.
A história da humanidade está repleta de exemplos que ilustram essa dualidade. Em muitos momentos, o Estado se apresentou como um protetor benevolente, garantindo direitos, promovendo o bem-estar social e impulsionando o desenvolvimento. No entanto, em outros momentos, o Estado se revelou como um tirano implacável, capaz de cometer atrocidades em nome da ordem e da segurança.
- O Leviatã nos dias atuais
A metáfora do Leviatã, forjada nas ideias da filosofia política, continua a ecoar com uma ressonância surpreendente na contemporaneidade. A figura do monstro marinho, símbolo de poder absoluto e indomável, encontra um reflexo inquietante nas estruturas complexas e onipresentes dos Estados modernos.
Um dos aspectos mais marcantes da atualidade é a intensificação da vigilância estatal. A coleta massiva de dados, a proliferação de câmeras de segurança e o desenvolvimento de algoritmos de monitoramento criam um ambiente de vigilância panóptica, onde os cidadãos se sentem constantemente observados. Essa vigilância, embora justificada pela necessidade de garantir a "segurança dos indivíduos" e combater o "crime de ódio, fakenews, etc..", levanta sérias preocupações em relação à privacidade e à liberdade individual.
A manipulação da informação também se tornou uma ferramenta poderosa nas mãos dos Estados. A censura, as massas de manobra e a criação de leis de regulamentação da informação fragmentam a sociedade e dificultam o debate público. A capacidade de moldar a opinião pública através dos meios de comunicação e das redes sociais permite que os governos manipulem o consenso e legitimem suas ações, mesmo as mais controversas.
- A Restrição das Liberdades Civis e o Estado de Exceção
Em nome da "segurança nacional" ou da "luta contra o discurso de ódio e fakenews", os Estados têm restringido cada vez mais as liberdades civis. A detenção arbitrária, a tortura e a vigilância de dissidentes são práticas comuns em muitos países. A noção de estado de exceção, que permite suspender as garantias constitucionais em situações de crise, tem sido utilizada para justificar a concentração de poder e a erosão do Estado de Direito.
- O Leviatã e as Corporações
Além dos Estados, as grandes corporações também podem ser vistas como Leviatãs modernos. Com seu poder econômico e sua influência política, as corporações moldam as regras do mercado, exploram os recursos naturais e impõem seus interesses aos governos. A crescente concentração de riqueza e poder nas mãos de um pequeno grupo de empresas representa uma ameaça à liberdade pois são praticamente monopólios e competem de maneira injusta no mercado.
O Leviatã e Ahab
Em "Moby Dick", Herman Melville apresenta o Capitão Ahab como um símbolo potente do poder absoluto e da obsessão desenfreada pelo controle. Ahab exerce uma autoridade inquestionável sobre seu navio e sua tripulação. Essa figura imponente e dominadora pode ser vista como uma personificação do Leviatã de Thomas Hobbes, a alegoria do Estado soberano que detém o poder supremo e inquestionável sobre seus súditos.
Ahab, em sua perseguição obsessiva pela baleia branca, Moby Dick, espelha essa visão de poder absoluto. Ele não apenas comanda seu navio, o Pequod, com mãos de ferro, mas também impõe sua vontade pessoal sobre cada membro da tripulação. Sua autoridade não é questionada, e sua obsessão pela baleia transforma uma missão de pesca em uma cruzada pessoal. Ahab utiliza sua posição de poder para manipular e coagir seus homens, levando-os a embarcar em uma jornada que serve seus próprios interesses vingativos.
Essa dinâmica de poder absoluto pode ser vista como uma analogia direta ao Estado hobbesiano. Assim como o Leviatã de Hobbes, Ahab acredita que sua autoridade é necessária para alcançar um objetivo maior, mesmo que isso signifique sacrificar o bem-estar de seus subordinados. A busca de Ahab por Moby Dick não é apenas uma busca por vingança, mas também uma manifestação de seu desejo de dominar e controlar uma força que ele considera indomável e ameaçadora. Ele vê Moby Dick não apenas como um animal, mas como uma entidade que desafia sua própria existência, algo que ele deve submeter a qualquer custo.
A relação de Ahab com sua tripulação é uma representação microcósmica dessa dinâmica de poder. Seus marinheiros são compelidos a seguir suas ordens, muitas vezes contra sua própria vontade e julgamento. Eles são mantidos sob o domínio de Ahab através de uma combinação de medo, lealdade forçada e a promessa de recompensas futuras. Esse controle sobre os marinheiros reflete como o Estado utiliza diversos mecanismos de poder para manter a ordem e a obediência entre seus cidadãos, muitas vezes recorrendo à coerção e à manipulação.
A comparação entre Ahab e o Estado se torna ainda mais pertinente quando consideramos a forma como ambos lidam com a resistência. Ahab vê Moby Dick como um inimigo pessoal que deve ser destruído a qualquer custo, assim como o Estado frequentemente vê desafios à sua autoridade como ameaças que devem ser esmagadas. No entanto, essa perseguição implacável frequentemente leva a consequências desastrosas. No caso de Ahab, sua obsessão leva à destruição do Pequod e à morte de quase toda a sua tripulação. No caso do Estado, a busca incessante por controle pode levar à erosão das liberdades civis e à criação de um clima de medo e opressão, além de que muito controle exige custo o que faz o estado contrair dívidas, aumentar impostos e apliar a base monetária do país(imprimir dinheiro) o que gera inflação assim fazendo o dinheiro perder valor e o consumo aumentar, ao caso que, o estado precisa aumentar a taxa de juros pra reduzir o consumo e controlar a inflação então, a dívida do estado também aumenta pela correção da inflação e pela correção dos juros, o que faz o estado aumentar os impostos pra estancar o sangramento, mas não é o suficiente, ao qual o estado contrai mais dívidas ou imprime mais dinheiro para pagar seus funcionários e assim por diante, destruição total.
A Baleia e o Bitcoin
Aqui comparo a baleia e o bitcoin.
A imortalidade
A imortalidade da baleia, que parece transcender o tempo e a mortalidade humana, ecoa na natureza não perecível do Bitcoin. A criptomoeda não se deteriora com o tempo.
O mistério
O mistério que envolve Moby Dick, que a torna uma força quase mítica, é refletido no anonimato proporcionado pelo Bitcoin. Embora o Bitcoin seja rastreável em termos de transações, a identidade dos usuários é frequentemente ocultada, criando uma aura de mistério e privacidade.
A singularidade
A singularidade de Moby Dick, descrita como uma baleia única e inimitável, encontra uma analogia clara na escassez do Bitcoin. Assim como não há outra baleia como Moby Dick, o Bitcoin é limitado em sua oferta, com um fornecimento total fixado em 21 milhões de moedas. Essa característica torna o Bitcoin um ativo escasso e valioso, semelhante à baleia branca, cuja raridade e poder são inigualáveis. Outra analogia à singularidade é que o Bitcoin é a unica criptomeoda que não tem um dono ou empresa responsável, ele é mantido por uma comunidade open-source e seu criador nunca foi revelado, muitos dizem que ele já está morto.
Assim como Moby Dick é uma força livre e indomável, o Bitcoin representa uma forma de liberdade financeira que desafia os controles tradicionais impostos pelos governos e instituições financeiras.
A resistência
A resistência da baleia branca à captura e controle reflete a resistência do Bitcoin às tentativas de regulamentação e imposição por parte dos governos. A natureza descentralizada do Bitcoin é uma forma de liberdade financeira que desagrada as autoridades, que buscam regular e controlar suas transações e influência.
A baleia branca, assim como o Bitcoin, representa uma força indomável que não se curva aos caprichos e vontades de líderes autoritários. A busca obsessiva de Ahab por Moby Dick leva à sua própria destruição, assim como a tentativa do Estado de controlar as liberdades individuais pode levar à erosão de sua própria autoridade. A liberdade e a resistência do Bitcoin, como a da baleia branca, prenunciam um futuro onde o estado absoluto e a busca desenfreada por controle serão desafiados e, possivelmente, derrotados.
Conclusão
No crepúsculo da caçada, o Pequod sucumbe ao assalto implacável de Moby Dick. A fúria da natureza, encarnada na baleia branca, se abate sobre a embarcação, despedaçando-a como um brinquedo nas mãos de um gigante. Ahab, em seu último ato de desafio, arremessa seu arpão contra a criatura, mas é arrastado para as profundezas abissais, seu destino selado pela própria obsessão.
Ishmael, o único sobrevivente, flutua em meio aos destroços, testemunha solitária da destruição total. Resgatado por outro navio, ele retorna à terra firme, carregando consigo a memória da tragédia e a mensagem de Melville. A busca desenfreada por controle e vingança, a arrogância humana diante da natureza e a fragilidade da existência diante de forças maiores são temas que ecoam através dos séculos, encontrando reflexos perturbadores na contemporaneidade.
O Leviatã, outrora metáfora do Estado protetor, se transforma em um monstro insaciável, devorando liberdades individuais em nome da segurança e da ordem. A vigilância estatal, a manipulação da informação e a restrição das liberdades civis constroem um cenário opressivo, onde o indivíduo se vê cada vez mais sufocado pelo poder centralizado.
Em meio a esse panorama sombrio, o Bitcoin emerge como um raio de esperança, uma manifestação da resistência humana à tirania e ao controle. Sua natureza descentralizada e imutável desafia o status quo, oferecendo uma alternativa à manipulação monetária e à vigilância financeira. Assim como Moby Dick, o Bitcoin representa a liberdade indomável, a força que se recusa a ser domada.
"Moby Dick" é uma obra atemporal que transcende a narrativa da caça à baleia. Através de seus personagens e metáforas, Melville nos convida a refletir sobre a natureza humana, a busca pelo poder, a fragilidade da vida e a importância da liberdade.
Em um mundo onde o Estado e as grandes corporações buscam cada vez mais controle, a mensagem de "Moby Dick" ressoa com força, nos inspirando a questionar o poder estabelecido e a buscar alternativas que promovam a liberdade e a autonomia individual.
Nota: Esta releitura oferece uma interpretação pessoal da obra, explorando seus temas e personagens à luz de conceitos como o Leviatã de Hobbes e a natureza do Bitcoin. É um convite à reflexão e ao debate, incentivando o leitor a explorar as múltiplas camadas de significado presentes em "Moby Dick" e a aplicar suas lições ao mundo contemporâneo.
Para aprofundar sua análise:
- Leia Moby Dick, de Herman Melville, disponível gratuitamente aqui
- Explore as obras de Thomas Hobbes, como "Leviatã"
- Pesquise sobre a história e o funcionamento do Bitcoin
- Reflita sobre as relações entre poder, liberdade e resistência na sociedade atual.